Sem cair no didatismo, “Malhação” acerta em abordar temas delicados

Merchan social sempre foi uma constante em “Malhação”. É que uma novela voltada essencialmente para o público jovem acaba usando essa voz para conscientizá-los de alguns temas importantes. As temporadas anteriores já falaram de gravidez na adolescência, abuso de drogas, distúrbios alimentares, separação dos pais, primeira vez e tudo isso que pode – e vai – acontecer na vida de um adolescente comum.

Mas apesar da boa vontade, algumas temporadas da novelinha acabaram caindo no didatismo exacerbado. Alguns dos merchans sociais mais pareciam uma aula que você tinha no colégio sobre determinado assunto do que um jeito de conscientizar o público sobre um tema delicado. Quando não caia no didatismo, por vezes a novela caiu no descaso. Foi o que aconteceu com a sofrível abordagem sobre o casal soro discordante em “Malhação – O Seu Lugar no Mundo”. Com o tema do HIV sendo tratado sem nenhum cuidado, a trama acabou por desinformar ao invés de conscientizar.

E talvez seja aí que more um dos grandes triunfos da atual temporada da novelinha, “Viva a Diferença”. É que embora a novela abuse do merchan social, todos os assuntos são tratados com a seriedade e a delicadeza necessários. Não caem no didatismo, nem no descaso.

Um bom exemplo é a trama que levou Keyla (Gabriela Medvedovski) a ter complicações por usar remédios para emagrecer. A menina, que engordou depois de ter filho, entrou na paranoia de que deveria perder peso. Como não conseguia um resultado rápido com o método tradicional de dietas e exercícios, ela apelou para um remédio para emagrecer. O remédio combinado com uma dieta radical acabou culminando em complicações graves. Durante uma festa, Keyla passou mal e teve que ser levada ao hospital.

A sequência toda, entretanto, foi mostrada sem suavizar a gravidade do problema. Keyla teve uma parada cardíaca, quase morreu e foi parar na UTI. É importante que mesmo em novelas voltadas para o público adolescente, situações graves sejam mostradas como situações graves. É de duvidar que uma jovem ao ver o perigo que tomar remédios sem prescrição médica podem causar ainda insista na prática. Toda a situação foi muito bem explicada e nem descambou pro didatismo e nem fez terrorismo. Mostrou o que é: abusar de remédios para emagrecer pode causar complicações graves. E causou.

Outro exemplo interessante foi o jeito como a novela abordou o machismo. Durante essa mesma festa onde Keyla passou mal, Lica (Manuela Aliperti) beijou muitos caras. O problema é que em qualquer lugar tem alguém com um celular na mão e, no dia seguinte, quando Lica foi para o colégio o vídeo dela beijando vários caras – e umas meninas – na festa já estava na mão de todo mundo.

Lica se sentiu ridicularizada, foi chamada de galinha, o vídeo foi mostrado em um projetor para a sala inteira, etc. Problemas de uma adolescente no séc XXI. A questão é que ao ver Lica sendo ridicularizada, tanto a amiga da garota, Tina (Ana Hikari), quanto a própria Lica ficam irritadas com a postura dos outros colegas. A questão que é levantada é: por que uma mulher é ridicularizada por beijar muitas pessoas numa festa e o homem é parabenizado?

Lica, inclusive, explica a situação dando uma aula para seus colegas. Se um cara beija muitas meninas, ele recebe parabéns. Se uma menina beija muitos caras, ela é galinha. “Se isso não é machismo, o que é?” pergunta Lica a classe. Assim na novela como na vida, o tema machismo/feminismo causa discussão. Enquanto há quem apoie há quem ache bobagem (como Clara, que diz que acha feio mesmo uma menina pegando todos) e há quem confunda tudo como MB, que ao ver alguém defendendo Lica diz que já que ela é feminista, ela que se defenda sozinha.

Tratar de assuntos delicados sem cair no didatismo e no descaso é uma tarefa complicada pra qualquer novela e ainda mais complicada se essa novela é dedicada a um público tão jovem, como é o caso de “Malhação”. Felizmente, dessa vez, a novelinha parece estar acertando.