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Sem Spoiler Alert: Com histórias interligadas, “Justiça” ajuda o público a valorizar a narrativa

Se você acompanha o noticiário de TV, ou ao menos tem bastante acesso às redes sociais, você já deve ter ouvido falar da nova (ou nem tão nova assim) série da Globo, “Justiça”. Aclamada por público e crítica por ser um produto de extrema qualidade e que é capaz de trazer pra frente da TV até aquela pessoa que “não curte muito novela”, a trama tem sido um sucesso de audiência e de repercussão. As razões para o sucesso são muitas: atores talentosos, histórias envolventes, direção impecável e, principalmente, a mudança na narrativa.

Anunciada como um “jeito diferente de ver TV”, “Justiça” foge da lógica da narrativa linear, que mostra um capítulo após o outro seguindo a ordem dos dias da semana. A cada dia da semana o público é apresentado a uma história diferente e só vê a continuação daquela história na outra semana. Embora seja exibida quase diariamente (segunda à sexta, com exceção da quarta) cada história da série tem apenas cinco episódios. Mas não é só isso. A grande sacada da série é que as histórias se interligam. O personagem principal da história de segunda, por exemplo, pode ser o coadjuvante da história de sexta. E, além disso, como todos vivem na mesma cidade (Recife), não é incomum ver aparições de personagens de outras histórias ao fundo, ou passando de carro e etc.

E são essas aparições que acabam brincando com a grande histeria da era moderna: o spoiler. É que com essas presenças de outros personagens como coadjuvantes de uma trama, não é incomum que você acabe recebendo pistas sobre os acontecimentos. Ou, pra quem prefere o termo: spoilers. Alguns são sutis. Outras cenas se repetem mesmo. Tome como exemplo o dia que Téo (Pedro Nercessian) vai comprar uma arma com Douglas (henrique Diaz). A cena aparece primeiro no episódio de segunda (de Douglas e Fátima) e depois se repete no episódio que traz Maurício (Cauã Reymond) e Antenor (Antônio Calloni) como protagonistas. A diferença é que, no episódio de sexta, você assiste à cena por outro ângulo e entende certos acontecimentos melhor.

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Mas se algumas repetições não trazem grande revelações às histórias, em outros casos elas podem revelar coisas importantes a um telespectador mais atento. No episódio de segunda (19) que traz como protagonistas Vicente (Jesuíta Barbosa) e Elisa (Débora Bloch), enquanto se mostra o enterro de Vicente, vamos também Firmino (Júlio Andrade) enterrando sozinho alguém. Essa pessoa só pode ser o irmão de Firmino, que a essa altura já sabemos que é o estuprador do caso de Débora (Luisa Arraes), da história que vai ao ar na quinta. Antenor e Téo também aparecem em um enterro maior, dando a entender que alguém importante daquela história também morre. Provavelmente Vânia (Drica Moraes).

Ou seja, no capitulo de segunda já temos revelações importantes (ou spoilers, se preferirem) das histórias que vão no ar na quinta e na sexta. Essas indicações são interessantes porque nos ensinam uma coisa que deve ser discutida nessa época de histeria com spoiler: o fato de que uma narrativa não é formada apenas do elemento surpresa. Claro que ver uma história sem saber o que vai acontecer e se surpreender com ela é interessante e tem lá seu valor na compreensão total de uma trama, mas nem sempre saber um pouco do que vai acontecer estraga por completo sua experiência.

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Tomem o caso do estuprador. A essa altura, a não ser que algo muito surpreendente aconteça, nós sabemos que ele morre. Spoiler dos grandes. Se a gente desse essa notícia aqui duas semanas atrás, provavelmente muita gente ia reclamar da gente ter dado spoiler sobre o final da série. Mas agora sabemos disso, mas não sabemos de tudo. Como o estuprador é morto? É Débora que consegue pegá-lo? São os capangas que espancam ele até morrer? É outra pessoa? Um acidente? É bom que a gente entenda que o importante de uma narrativa não é apenas O QUE acontece, mas COMO isso acontece, o que leva aquela coisa a acontecer, quem são os envolvidos, etc etc.

Um spoiler bem grande saiu sobre a história de Vicente e Elisa. O Extra publicou que os dois sofriam um acidente e que Elisa desistia de chamar a polícia e deixava ele morrer. Na hora fiquei meio nervosa de saber o que ia acontecer exatamente, mas mesmo assim o final me surpreendeu. Não sabia por exemplo que, àquela altura, Vicente estaria tentando se acertar com Regina (Camila Márdila) e que o acidente não aconteceu durante um encontro entre Elisa e Vicente. Eu não sabia que, por conta desse envolvimento entre Vicente e Regina, seria agora ela a querer vingança contra Elisa, transformando a coisa em um ciclo vicioso.

O que no fim eu quero dizer é que é bastante interessante que “Justiça” nos dê spoilers importantes no meio da história. Isso ajuda o telespectador a entender que não é só de não saber sobre a história que a narrativa é construída. Uma trama tem tantas nuances e tantas variáveis que pode ser interessante mesmo que você tenha sabido de um elemento importante. Saber que um personagem morre, por exemplo, não te conta como ele morre, porquê ele morre, quais as implicações dessa morte e etc. E esse elementos são tão (ou mais) importantes pra uma história do que a surpresa da morte em si.

Inclusive, se o spoiler atrapalhasse tanto as histórias assim, ninguém mais via novela porque se tem um produto que solta spoiler a rolê esse produto é novela. Só que o público que consome novela está tão acostumado a consumir a história já sabendo de certos acontecimentos que aprendeu a priorizar outros elementos na narrativa. Ou seja: um spoiler ou outro não faz tanto mal assim. Aprender a entender que uma revelação sobre o enredo não é capaz de estragar a experiência de uma história toda talvez seja, entre tantos outros, um dos grandes acertos de “Justiça”.

Larissa Martins

Fala muita bobagem, escreve sobre quase qualquer coisa e sabe tudo sobre a temporada da vagabanda de malhação.

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2 Resultados

  1. Beatrice disse:

    Gostei da sua reflexão. Lembrei do final de Verdades Secretas que tinha vazado quase completamente. Ainda assim, foi bem interessante assistir e descobrir como os fatos aconteceriam.

  2. Miguel disse:

    Um exemplo disso é a série Mr. Robot, certo?

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